Um novo consumidor
Uma pessoa entra em uma loja. Observa as mercadorias e identifica uma que lhe chama a atenção. Um aparelho celular por exemplo. Em outros tempos chamaria o atendente, perguntaria sobre o produto, chegaria no preço. Talvez barganhasse, discutisse um parcelamento. Muitos ainda fazem isso, mas não é deste consumidor que vou tratar aqui. Vou falar do outro.
Este outro não chama o atendente. Primeiramente ele consulta um potente computador que carrega consigo o tempo todo, até quando vai ao banheiro, geralmente no bolso. Este computador é polivalente, de vez em quando faz até chamada de telefone e nos referimos a ele como smartphone. Entretanto, de fone tem bem pouco e começa a me perguntar até que ponto é realmente smart, mas é um fato inegável que se trata de um portal. Um portal que nos dá acesso a uma infinidade de informações sobre o mundo em que vivemos.
Este consumidor, vamos chamá-lo de Gaio, procura pelo produto que viu na vitrine. Em seguida, olha a avaliação, lê comentários. Puxa um fone e até assiste um vídeo do YouTube falando daquele modelo. Por fim, vê o preço. Compara lojas, chega ao melhor. Por fim, compara com preço de vitrine. Aí chama atendente.
— Por favor!
Pergunta há um jovem evidentemente despreparado sobre o produto. O jovem fala basicamente sobre o que está na embalagem. Pergunta sobre um determinado problema que relataram em uma avaliação que leu na internet, mas o jovem não sabe. Pergunta sobre uma compatibilidade que leu em dois reviews conflitantes. Que compatibilidade? Por fim chega ao preço. Está caro. Vi um mais barato na internet. O jovem chama o supervisor, que pede para ver o anúncio. Eu cubro. E assim Gaio sai da loja com o novo telefone celular. Chegando em casa vai fazer um vídeo abrindo a embalagem, como viu vários fazerem na internet.
O consumidor 4.0
Este é o consumidor 4.0. Em síntese, ele tem acesso a uma infinidade de informações que antes nem sonhávamos. Vejo o caso de Tito, outro consumidor 4.0. Ele está em uma dieta restrita. Por isso, ao pegar a embalagem de um iogurte, ele escaneia com seu celular diretamente para o aplicativo que usa para controlar sua alimentação. O dispositivo reconhece o produto e faz um alerta sobre o percentual de gordura e sugere uma alternativa, que tem na prateleira com preço até melhor. Com essas informações Tito compra o iogurte. Logo depois vai pegar um Uber para voltar para casa.
O consumidor 4.0 é hoje um grande desafio para lojistas e prestadores de serviço. Como trabalhar o marketing? Como entender seu comportamento? E como comunicar adequadamente a qualidade dos produtos?
Como fica a infraestrutura da qualidade?
Tudo que conhecemos por certificação foi construído para o que podemos chamar de consumidor 3.0. Este compra fisicamente em lojas. Até pesquisa em casa, mesmo pela internet, mas não usa conectividade na hora da compra. Muitas vezes leva um papel com suas pesquisas. No máximo ele vai olhar se o produto tem um selo de qualidade reconhecido, como o do inmetro.
Quando tratamos de vigilância de mercado, outro aspecto da infraestrutura da qualidade, a situação é ainda mais complexa. Agentes dos institutos estaduais de peso e medidas visitam as lojas, selecionam produtos e fazem uma fiscalização normalmente de caráter formal. Assim, verificam a conformidade, o posicionamento do selo, se é verdadeiro, se o registro está correto. Tudo muito analógico, no máximo usando um notebook para conectar a internet e conferior algumas informações.
Há muita dificuldade também para vigiar o comércio eletrônico. Este agente senta ao computador e pesquisa por de determinado produto. Desse modo, começa a passar os anúncios identificar se algum formalidade está sendo violada. Há portais com milhões de anúncios colocados. Por mais que se esfocea, é uma agulha no palheiro. É um sistema que foi montado para uma outra realidade e não para os desafios dessa nova realidade de consumo.
O desafio: entender o consumidor 4.0
Um dos grandes desafios do sistema de infraestrutura da qualidade hoje é entender realmente o consumidor 4.0 e trazê-lo para dentro da vigilância do mercado. Precisa atualizar as estruturas de certificação de produto para que esta interatividade de Gaio e Tito seja fonte de dados valiosos para uma vigilância em outro paradigma, a vigilância 4.0.
A transformação digital da infraestrutura da qualidade passa necessariamente pelo estudo do consumidor 4.0, ele tem que estar no centro do processo. Talvez ele seja hoje o grande ausente das discussões que tenham acompanhado sob a modernização da infraestrutura da qualidade no Brasil e no mundo, como se fosse algo menor na equação. Não é. Em certa medida, ele é a síntese da equação pois o mercado só existe porque há o consumidor. E ele agora é 4.0.
Gaio e Tito (codinomes) dos consumidores 4.0, mencionados na matéria, já são uma realidade de muitos anos. Já se conhece o perfil e não é de hoje.
A questão é a inércia dos organismos que regulamentam tal mercado, e não acompanham a evolução tecnológica.
É necessário que haja “metanóia”, não dos consumidores, mas dos responsáveis dos organismos que regulamentam esse mercado.